Não é raro vermos diversas sociedades empresárias sucumbindo em meio à crise política e econômica que leva o país a arrasto. Aliás, a Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) estimou que os pedidos de falência entre janeiro a julho de 2016 cresceram 23,4% na comparação com o mesmo período de 2015. Não só as falências ganharam força, mas também os pedidos de recuperação judicial, com alta de 88,9%, em relação ao primeiro semestre de 2015[i].
Embora com o recuo da inflação desde o início do ano corrente haja expectativas macroeconômicas de melhora já para o segundo semestre e início de 2017, os indicadores de mansidão da economia continuam relativamente altos em relação aos anos anteriores, e essa tendência deve se manter ainda no próximo ano, conforme aponta o periódico Valor Econômico[ii].
Vê-se, portanto, que mitigada atividade econômica tingiu o país de incertezas e atingiu diretamente as sociedades ao longo de 2015 e 2016, contribuindo para o aumento dos pedidos de falência e de recuperação judicial e, consequentemente, o cérebro e o bolso (sócios) das sociedades ao verificarem a operação empresária diminuída.
Nesse cenário, ao antever o estado armagedônico que a sociedade empresária está predestinada, muitos empresários levantam a hipótese de abandonar seus postos como sócios. É aí que esse sócio indaga a si sobre a possibilidade de retira-se da sociedade, sem anuência dos demais, e questiona a suas responsabilidades e obrigações perante aos credores.
O Código Civil (art. 1.029) preleciona que nas sociedades limitadas de prazo indeterminado, em decorrência do princípio da autonomia da vontade, qualquer sócio pode retirar-se, desde que notifique os demais com 60 dias de antecedência, ocasião em que ocorrerá a dissolução parcial da sociedade ou resolução em relação a um sócio.
No entanto, se a sociedade limitada for por prazo determinado, os sócios não podem ao seu bel-prazer desligar-se das obrigações contratadas sem o consentimento dos demais enquanto não esgotar o tempo acordado. Nesse caso, a dissidência do sócio será possível, apenas, se houver (1) concordância dos demais; ou (2) sua discordância em relação à alteração contratual decorrente de incorporação ou fusão da sociedade (art. 1.077 do CC), nos 30 (trinta) dias subsequentes a decisão; ou ainda (3) pela sua expulsão, por justa causa, quando a maioria dos sócios que dispõe da maior parte do capital social, entender que a permanência do sócio a ser expulso coloca em risco a continuidade da sociedade, em razão de ato grave (art. 1.085 do CC), caso não tratado na hipótese em comento.
Do mesmo modo ocorre quando tratar-se de sociedade de capital, por ações ou a sociedade limitada regida pela Lei das S.A (art. 137 da Lei nº 6.404/79), onde o intuito de união dos sócios está pautado apenas no interesse do fim social (“intuito pecuniae”) e não nos interesses pessoais (“intuito personae”). Nesses casos, opera-se a retirada, além dos casos elencados no parágrafo anterior, (1) se o sócio for prejudicado com a criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais, sem a guarda de proporção com as demais classes preferenciais; ou ainda (2) o sócio tiver sido prejudicado na alteração nas preferencias, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações ou a criação de nova classe mais favorecida.
Note que, no caso da limitada por tempo indeterminado, não há solidez do vínculo societário, em razão da possibilidade de descredenciamento do sócio a qualquer momento, independentemente de motivo ou justificativa, pois a intenção da sociedade está pautada no “intuito personae”, ou melhor, de forma relevante na confiança mútua e na intenção conjunta de desenvolvimento da atividade empresarial (”affectio societatis”), o que gera a sua rotulagem de limitada instável.
O vínculo sólido e, portanto, estável está nas sociedades de prazo determinado e nas cujas regências se dão pela Lei da S.A, naquelas onde a prevalência vem do “intuito pecuniae”, do capital, do fim social, onde estes sobrepõem-se a relação interpessoal dos sócios, conforme ensina Fabio Ulhôa Coelho[iii]:
“Das sociedades limitadas por prazo indeterminado de vínculo instável, o sócio pode retirar-se a qualquer tempo, independentemente de motivação. Das limitadas de vínculo instável com prazo determinado e das limitadas de vínculo estável, a condição para o exercício do direito de retirada é a divergência relativamente a alteração contratual deliberada pela maioria, incorporação ou fusão envolvendo a sociedade. ”
Todavia, a amplitude das relações negociais autoriza a extensão do “affectio societatis” e, consequentemente, a retirada de sócio às sociedades anônimas que ostentam caráter familiar ou fechado, onde também há supremacia do “intuito persona” decorrentes das qualidades pessoais dos sócios para o desenvolvimento das atividades sociais, conforme exarado pelo Ministro Castro Filho, no acórdão dos Embargos declaratórios no Recurso Especial nº 111.294/PR, publicado em 10/09/2007.
Há corrente doutrinária contrária que defenda a impossibilidade de retirada do sócio e, consequentemente, a dissolução parcial nas sociedades de capital fechado por entender que é instituto restrito às sociedades limitadas e que a possibilidade de retirada se restringe as hipóteses dos arts. 137 e 230 da lei 6.404/76.
Nos casos das sociedades limitadas, o valor da cota do dissidente, efetivamente integralizada, será reembolsado no prazo de 90 dias a partir da liquidação, salvo acordo, e terá por base o valor patrimonial da participação societária à data dissidência, verificada em balanço especialmente levantado pelo liquidante em demonstração contábil especifica para o evento, se o contrato social não estabelecer outro critério (art. 1.031 e parágrafos do CC).
Já no que atine as sociedades anônimas, o reembolso das ações poderá ser estabelecido no estatuto social em valor inferior ao do patrimônio líquido obtido no último balanço, e será deliberado na assembleia-geral da companhia, facultando ao dissidente o pedido de balanço especial para esse fim, caso a assembleia se der 60 dias posteriores ao último balanço (art. 45 e parágrafos da lei 6.404/76).
Destaca-se que, posteriormente a manifestação da sua vontade, o dissidente não se beneficiará na hipótese de crescimento exponencial da sociedade, nem mesmo a liquidação terá influência na mensuração do valor a ser reembolsado caso o negócio não prospere.
Por vezes, em razão de desarmonias ideológicas e/ou desafetos entre os sócios, no momento da retirada e liquidação do “quantum” a ser reembolsado, não há concordância dos valores devidos ao dissidente dando-lhes oportunidade a apuração pela via judicial. Segundo Fábio Ulhôa Coelho[iv], aqui entende-se, pelos princípios do direito contratual, que a exteriorização da vontade do retirante é o suficiente para operar o desligamento, sendo reconhecida, portanto, como data da retirada os 60 dias posteriores a notificação.
Importante destacar que, a retirada do sócio nos termos mencionados não gera multa em seu desfavor, mas não o exime de eventuais obrigações e responsabilidades societárias anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem pelas posteriores em igual prazo (art. 1.032 do CC).
Aliás, tendo em vista que a dissidência demandará averbação do contrato social, haverá necessidade de um advogado para efetivar a modificação (art. 999, parágrafo único, do CC, e art. 1º, § 2º da Lei 8.906/94). Neste mesmo sentido estabelece o art. 36 do Decreto 1.800/96, que regulamentou a Lei 8.934/94 (Lei do Registro de Comércio). A regra não se aplica se a sociedade for enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, podendo o contrato social ser averbado na Junta Comercial correspondente independentemente de estar ou não visado por advogado (art. 9, §2º da Lei Complementar 123/06).
Não há necessidade de conhecimento técnico para concluir que a saída do dissidente traz imenso impacto econômico à sociedade, pois reduz o capital social em razão do reembolso das suas cotas com capital da própria sociedade, tendo, inclusive, impacto na alteração da estrutura de garantia da sociedade em relação aos interesses dos credores que terão suas garantias diminuídas sem a possibilidade de consentimento.
A descapitalização, então, medirá força com o próprio interesse empresarial, prejudicando a operacionalidade da sociedade. Somando-se a isso teremos a estiagem de recursos obtido em razão da abrupta queda de vendas decorrentes do momento em que o país atravessa, além da aquisição de crédito perante às instituições financeiras. Aí estará instaurada a “pré-falência”!
Dado que a legislação vigente não estipula uma resolução prática para a questão, com intuito de não colocar em risco a sociedade (princípio da preservação da sociedade) e a função social que exerce, será de bom tom e menos oneroso, além de evitar infortúnios, pelo menos nos caso das limitadas, manter o capital social integralizado, por meio da cessão das cotas pelo dissidente para o(s) sócio(s) remanescente(s), independente da anuência dos demais, ou a terceiro, com autorização do(s) sócio(s) que mantiver(em) mais de ¼ (um quarto) do capital social (art. 1.057 do CC).
Ricardo Henrique Decarli, especialista e atuante no consultivo e contencioso do Direito Empresarial.
________________
[i] http://www.boavistaservicos.com.br/categoria/noticias/indicadores-economicos/falencias-e-recuperacoes-judiciais, acesso em 25/08/2016;
[ii] http://www.valor.com.br/brasil/4545801/mercado-ve-melhora-da-economia-em-2017-aponta-focus, acesso em 25/08/2016;
[iii] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Vol. 02. 16ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2012 – p. 550;
[iv] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Vol. 02. 16ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2012 – p. 548;